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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Pensamento avulso XCVII

Os escolásticos estavam certíssimos quanto à procura incessante pela precisão conceitual. Perdida essa busca, vista como perfumaria por seus detratores, alcançamos um tempo que faz a Torre de Babel parecer um exemplo de concórdia linguística. No mundo pós-moderno, ou como queiram chama-lo, impera não apenas a imprecisão dos conceitos, mas a afirmação de sua impossibilidade, o que ficou conhecido como pós-verdade. Vide o exemplo do uso do termo fascismo. Há uma definição precisa dessa ideologia política que remete ao ideário de Mussolini, mas que é abandonada para que o termo fascismo seja usado como um xingamento ou mesmo para acusar ideologias diversas ou mesmo antagônicas ao mesmo, porque é menos trabalhoso e angaria publicidade, além de exalar um certo intelectualismo, como se a mera pronúncia do termo em determinados contextos fizesse a pessoa parecer mais inteligente do que realmente é.

sábado, 6 de abril de 2024

Política: do bem comum ao jogo de poder

 

O conceito de política é um conceito que, tomando de empréstimo a lógica aristotélica, chamaríamos de equívoco em nosso contexto, ou seja, um conceito em que para um único nome ou termo há diferentes conceitos mentais associados. Isso significa que apesar do nome “política” ser único, há diversidade de significados que variam ao longo da história.

A fins didáticos iremos distinguir neste texto duas grandes matrizes de definição do que é política, buscando transformar esse conceito num conceito análogo, onde tomando de empréstimo os dizeres do filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos, obtenhamos uma “síntese da semelhança e da diferença” entre as duas visões de política.

Podemos dizer, em linhas gerais, que em qualquer cenário a política diz respeito à sociabilidade humana e às relações de poder. No entanto, o entendimento acerca desses fundamentos da política não implica numa mesma definição desta. Como já dissemos, há duas linhas que iremos investigar.

A primeira advém da compreensão clássica que permeou a filosofia política desde a Antiguidade ao Medievo. Essa compreensão é definida por alguns estudiosos das ciências sociais, como idealismo político. Certamente esse é um termo controverso, mas que resumidamente indica que a visão clássica colocaria a teoria sobre o que deveria ser a política à frente da política concreta, como se o que deve ser estivesse acima daquilo que é. Se observarmos mais atentamente as obras de política de um Aristóteles ou de um Raimundo Lúlio, por exemplo, vemos que não há uma sobreposição da teoria sobre a prática, do vir a ser sobre o que é, mas a busca pela universalidade própria da Filosofia ou do entendimento da realidade concreta por meio de valores e princípio universalizáveis.

Em meio à essa definição clássica podemos considerar que a política deve ser vista como a busca pelo bem comum. Política e ética, nesse contexto, são complementares, devendo a política refletir o bem próprio do horizonte moral:


O governo que serve ao interesse dos governantes é tirânico. Só o governo que promove a vida boa dos governados é bom.

[...] Para ser bom, o governo tem de ter uma autoridade reconhecida e aceita pelos governados, não o mero poder ou força ao qual eles se submetem por medo. (ADLER, 2010, p. 127)   

 

Apesar das divergências acerca da política ao longo dos séculos, o núcleo conceitual comum permaneceu inalterado, entretanto as circunstâncias históricas, bem como sua análise conceitual, alterou-se e na virada que erigiu a Modernidade uma nova forma de enxergar a política surgiu. Para contextualizar e nos situarmos historicamente cabe mencionar alguns eventos do período como a queda do império romano no Oriente em Constantinopla (1453), as Grandes navegações (séc. XIV-XV) e as Guerras Italianas entre 1494 e 1559.

É nesse contexto que Nicolau Maquiavel (1469-1527) tem uma percepção sobre a política que promove uma reviravolta na história das ideias, inaugurando o que muitos teóricos convencionaram chamar de realismo político, bem como a ciência política. Em oposição aos “idealistas políticos”, a proposta era partir da realidade “nua e crua” daquilo que passou a ser o núcleo da noção de política, a saber, o conceito de poder.

Em sua obra prima, “O Príncipe”, Maquiavel lança mão de seus principais conceitos que exploraremos a seguir. Essa obra que a princípio serviria de manual ao príncipe, no caso Lourenço de Médici (1492-1519) a quem dedicou o livro, tornou-se base de entendimento para a nova visão de política que até hoje é fundamental para compreendermos a política não apenas na dimensão da ciência política, mas principalmente na prática da política.

Para delimitarmos nossa exposição focaremos em dois pontos principais: a separação entre ética e política e a virtù (virtude) necessária ao exercício do poder pelo príncipe. Se o horizonte da política na Antiguidade era o bem comum, na Modernidade o núcleo da política torna-se a conquista e manutenção do poder. Nesse conceito se destaca a separação entre ética e política, afinal nesse processo de manutenção do poder, o príncipe estaria justificado a agir em desconformidade com os valores e princípios morais socialmente aceitos, como podemos observar no trecho abaixo:

 

Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade. (MAQUIAVEL, 1986, p. 90)

 

Podemos perceber com isso, que de um lado, a ética (moralidade) está inserida na esfera privada, enquanto a política está inserida na esfera pública. Fica a questão prática: como o príncipe deve agir politicamente? Frente ao cenário da distinção citada, primeiramente o político deve ser capaz de captar o amor e o temor dos seus súditos, mas na incapacidade de alcançar ambos, seria preferível alcançar o temor. Para gerir o horizonte do poder, o príncipe deveria ter em mente dois conceitos: o de virtù e fortuna. Este teria a ver com as situações que escapam do controle do governante, enquanto aquele teria a ver com a capacidade do príncipe em lidar com tais situações.

Poderíamos exemplificar essa relação com uma situação prática em que haja uma situação de seca em que os grãos estão sendo produzidos em baixa quantidade. O príncipe não teria responsabilidade com a seca diretamente, mas deve ser capaz tanto de se precaver quanto de agir de tal modo que os grãos produzidos, ainda que em menor quantidade possam atender os súditos.

 

Referência bibliográfica:

ADLER, Mortimer J. Aristóteles para Todos. tradução. Pedro Sette-Câmara. São Paulo: É Realizações, 2010.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe.11 ed. tradução. Roberto Grassi. São Paulo: Bertrand Brasil, 1986.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Espírito acusatório

Todo ano na quaresma escuto algumas falas que acredito também sejam ouvidas pelo meu leitor que busca viver esse tempo em conformidade com o que manda a Santa Igreja. Trata-se de expressões como: “Do que adianta não comer carne e ficar fazendo coisa errada” ou “a pessoa bebe o ano todo, mas acha que parar na quaresma vai adiantar alguma coisa”. Certamente há nelas um fundo de verdade, mas o que elas expressam é antes um espírito acusatório do que um espírito admoestativo, uma censura ao bom comportamento com a aparência de uma crítica a uma suposta hipocrisia. O propósito deste texto é justamente mostrar a malícia que há nesse modo de proceder que não deve amedrontar ou desanimar a quem que, com o coração sinceramente contrito, queira viver uma santa e piedosa quaresma.

Lembro-me que certa vez em que eu, recém saído da adolescência, fiz a abstinência de carne na Quinta-feira Santa. Pois bem, nesse dia como em muitos outros, saí para almoçar com alguns colegas da empresa em que eu estagiava para comer num restaurante especializado em carnes. Qual não foi a surpresa deles quando pedi um omelete. Alguns manifestando uma surpresa autêntica, alguns dando de ombros e outros ainda ironizando e dizendo que Deus não havia pedido esse tipo de atitude. Fiquei firme em minha resolução e comi um ovo frito, pois não estavam servindo omelete.


Não conto essa história para me gabar, afinal o fazia mais por tradição e resolução fraca do que pela compreensão de partilha com o Sagrado Sacrifício de Nosso Senhor, mas ainda assim lucrava os benefícios espirituais da prática. O que quero na verdade é mostrar uma prática comum que as falas reproduzidas no início do texto representam e que chamo de “espírito acusatório”. Esse “espírito” é que motivava o alerta de Nosso Senhor no evangelho de S. Mateus capítulo 23, versículo 13, em que Ele repreendia os fariseus que não entravam e não deixavam os outros entrarem. Observe o meu leitor que geralmente quem faz essas críticas aos católicos não fazem eles mesmos nenhum tipo de sacrifício ou vivem a religião. Repetem as atitudes dos fariseus quando acusam os outros de farisaísmo.

  

Mas isso não é uma atitude isolada ou fortuita, afinal vivemos num mundo e numa era hostil,onde as práticas cristãs são apontadas como sinais de hipocrisia. Por vezes a hostilidade é clara e virulenta, mas muitas vezes ela aparece sutilmente. Neste caso, o acusador tece elogios aos valores que se julgam cristãos, mas têm ojeriza à sua prática real, talvez porque tais práticas exponham sua tibieza. Entretanto, fato é que pesa, aos olhos do mundo, ao católico convicto a fama de falso moralista quando tal definição caberia melhor aos acusadores que imitam o primeiro acusador.


Quaresma de 2024


Pensamento avulso XCVI

O credo (creio) não expressa um sentimento, mas uma adesão das potências superiores da alma (inteligência e vontade) às verdades Reveladas. 
Tal adesão é sinal de uma profunda humildade que se opõe à soberba e ao orgulho do pecado original.

terça-feira, 26 de março de 2024

O escritor é maior que o agitador

Confesso que não sei o que se produz na academia acerca da Literatura, se bem que vez ou outra deparo-me em meu trabalho como professor com referências a essas produções. Portanto, o que direi aqui me chega majoritariamente à boca miúda ou de manifestações espaçadas de descontentes com o "sistema", seja lá o que isso for. 

Trata-se de acusações ao escritor maior da literatura brasileira: Machado de Assis. Tais acusações mencionam sua suposta indiferença política, quando na verdade o que tais acusadores esperavam dele era o perfil de um agitador de DCE, o que graças a Deus não seria possível, afinal Machado não pisou nos corredores da universidade, mesmo quando essa era mais respeitável.

O problema desses acusadores é de  não compreenderem um verdadeiro artista, pois consideram a arte como uma ferramenta estritamente política, na pior acepção do termo. O ativista de plantão não consegue compreender uma mente complexa, e sejamos sinceros, nem uma mente simples, mas tão e somente conseguem compreender minimamente mentes simplórias como as dele, onde um abismo de ignorância, engole outro num círculo vicioso de simplismos. Certamente há escritores em que se evidencia uma contundência crítica maior no que tange à realidade social e política, como no caso de Lima Barreto e Graciliano Ramos, no entanto, ainda nesses casos a literatura que produzem não se resume  a panfletagem ideológica, mas se constituem em obras de verdadeiro valor artístico.

Dirijo-me aos parvos críticos de Machado, que num anacronismo sem par buscam nele um militante identitário: Machado de Assis fez mais contra o racismo do que mil militantes de DCE, demonstrando que a inteligência, o refino de raciocínio e o esforço pessoal superam o arrivismo. Qualquer negro ou pardo se beneficia muito mais da leitura de suas obras do que na leitura de cartilhas que desconsideram que as tragédias humanas são ainda maiores que o racismo, sendo esta uma tragédia entre outras. 

E para que não me venham importunar como se eu estivesse a defender toda a situação deplorável que a sociedade brasileira vivenciava à época, lanço mão de uma estrofe de “O Navio Negreiro”, do poeta Castro Alves:


Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?! 

Ó mar, por que não apagas 

Co'a esponja de tuas vagas 

De teu manto este borrão?... 

Astros! noites! tempestades! 

Rolai das imensidades! 

Varrei os mares, tufão! 


Segunda-feira Santa 25 de março de 2024

Festa da Anunciação transferida

segunda-feira, 25 de março de 2024

O que é Filosofia?

 

A pergunta que intitula nosso texto é das mais comuns quando alguém, principalmente estudante, depara-se pela primeira vez com a matéria. Diferentemente das demais disciplinas escolares em que o objeto de estudo é bem determinado e específico, a Filosofia tem uma amplitude investigativa mais extensa. Isso significa que a Filosofia é uma disciplina que tem aspiração à universalidade, enquanto as outras disciplinas são particulares, ou seja, a Filosofia tenta enxergar o todo dando-lhe uma unidade cognoscível[1], enquanto as ciências buscam analisar ou compreender objetos específicos.

Para compreender essa relação podemos fazer uma analogia com o jogo de xadrez. Enquanto as ciências como a Física e a História, por exemplo, focariam em peças específicas como um peão ou uma torre, a Filosofia veria o tabuleiro como um todo relacionando as peças entre si.

Com as considerações acima temos um esboço da resposta ao que é Filosofia, a saber, um conhecimento sobre a totalidade ou conjunto dos próprios conhecimentos adquiridos. Ao longo de sua história, a Filosofia teve alterações em sua abordagem, mas essa busca parece ser sua sina. Além dessa busca a definição clássica, ou seja, desenvolvida entre os filósofos gregos Antigos como Platão e Aristóteles, passando pelos pré-socráticos e helenistas, tinha por base o uso da razão natural como instrumento de entendimento da realidade em sua totalidade. Eis então o substrato ou essência da filosofia clássica que se manteve durante séculos como paradigma da filosofia como podemos observar no trecho abaixo:

 

“A filosofia é um conjunto de conhecimentos naturais metodicamente adquiridos e ordenados, que tende a fornecer a explicação fundamental de todas as coisas.” (RAEYMAEKER, 1969, p. 36)   

 

Podemos verifica que Raeymaeker destaca, como dissemos acima, os termos “conhecimentos” e “todas as coisas” que representam a racionalidade e universalidade próprias do saber filosófico. Entretanto, podemos perceber outras duas dimensões fundamentais da filosofia clássica que ainda hoje serve de bússola aos filósofos contemporâneos, a saber, a ordem e o caráter natural do empreendimento filosófico. O primeiro indica que há uma organização e métodos no “trabalho” do filósofo que procede ordenadamente, supondo também uma ordem na realidade. Já o segundo ponto indica que a filosofia se limita ao conhecimento natural não recorrendo a elementos sobrenaturais em suas investigações, ainda que muitos filósofos reconheçam e pressupunham uma realidade sobrenatural.

PS: esse texto foi escrito com o intuito de esclarecer aos alunos do Ensino Médio o significado resumido da disciplina Filosofia.

Referência bibliográfica:

RAEYMAEKER, Luís de. Introdução à Filosofia. 2. ed. tradução. Alexandre Correia. São Paulo: Herder, 1969.


[1] Que pode ser conhecida.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Pensamento avulso XCV

Parece-me, tem hora, que o espírito brasileiro se resume em duas figuras literárias: o medalhão de Machado e o homem que sabia javanês de Barreto. Aquele apego a formalismos estéreis e à falsidade...